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segunda-feira, 31 de março de 2008

Conversa de elevador

Elevadores, restaurantes pequenos, filas (de banco, de cinema), entre outras banalidades cotidianas, são sempre uma ótima fonte de sabedoria popular. Hoje, voltando do almoço:

“Ah, mas eu, quando tiver assim, uns dois anos de formada, já quero estar ganhando assim, tipo, uns 15 mil reais.”

Fiquei pensando que tipo de carreira ensejaria salário tão alto para um recém-formado. Cientista de foguetes? Não, no Brasil só temos a base de Alcântara, no Maranhão, e não acho que paguem tão bem assim. Talvez a moça estivesse cursando uma faculdade secreta, por exemplo, um curso de graduação modulada de Como-se-tornar-Bill-Gates-em-três-semestres ou um MBA em Criação de Programas Dominicais Infames para Auditório Idem. Em poucos segundos, o esclarecimento:

“Nossa, amiga, mas você não quer mais nada, não?”
“Ué, foi por isso que escolhi publicidade, propaganda, marketing, essas coisas. Dá mó grana.”


Continuei de costas, olhando para o vazio prateado das portas do elevador. Imaginava se, ao deixar o Direito e me tornar revisora e preparadora de textos, eu teria escolhido a profissão errada (de novo) ou se o mundo tinha pirado de vez. Não consegui chegar a uma conclusão antes de as portas se abrirem. Entrei no escritório, sentei à minha mesa e, ao lado de Aurélio, Celso Luft e Eduardo Martins, fui distribuindo vírgulas, maiúsculas e carimbos de revisão.

Outro dia, descendo a ladeira da Rua Augusta:

“Sabe, véio, de mulher, assim, eu não tenho preferência. Meu gosto é beleza internacional.”

O que seria essa tal de “beleza internacional”? Será que a eleita tem de ter olhos japoneses, cabelos escandinavos, peitos americanos e bunda brasileira? Ou boca francesa que faz biquinho, nariz tailandês e pernas italianas? Apertei o passo e desisti de entender o gosto daquele freguês. Eu, com bunda africana, barriga alemã, estatura pigméia, nariz grego e cabelo português.

Mas, ouvir a conversa dos outros não é falta de educação? Não sei. O que sei é que desde criança percebia quando minha mãe ou meu tio Dante, de repente, alheios à conversa, inclinavam levemente a cabeça para o lado e todo o corpo parecia pender em direção à mesa vizinha. Em poucos instantes, um sorriso gaiato surgia no canto da boca e eu sabia que eles tinham escutado alguma pérola.

Certa feita, esperava minha vez para almoçar no restaurante anos 50 da Vila Madalena. Balcão apinhado, sentei-me para tomar um Bloody Mary e vi, lá na outra ponta, um balde de gelo com uma garrafa de champanhe. “Ora, ora”, pensei, “tem alguém comemorando.” Mais tarde, quando já estava sentada, o balde com a garrafa estava na mesa ao lado. O rapaz, de um ineditismo invejável, pediu um strogonoff para acompanhar as borbulhas. A moça, um picadinho e uma água com gás. Não demorou para que a ouvíssemos dizer “mas você não entende, a gente quer coisas muito diferentes, não dá mais”. Não pude evitar sentir pena do rapaz. Embora tenha se esmerado, com champanhe e tudo o mais, a tentativa de reatar o casamento não prosperou. Como diria minha avó, gastou vela boa com defunto ruim.

Observar o que acontece ao nosso redor é uma arte, que o diga Nelson Rodrigues.

5 comentários:

Blog do Beagle disse...

kakakakak amei esse post e em especial a descrição que você fez de si mesma. Muito bem humorada e para quem a conhece, pitoresca. Bjkª estalada. Elza

Anônimo disse...

Delícia! Fartei-me de rir!

Anônimo disse...

Olá!?Eu estava lendo alguns blogs e vi que gostas do Marçal Aquino.Sou estudante da pós de Análise Literária e preciso do conto dele "Os Matadores",eu acho que este conto foi publicado no livro Miss Danubio.Será que tu tens?Ficarei extremamente grata!

Anônimo disse...

Esqueci de assinar meu nome:Luana Duarte.Email p envio é luananduarte@hotmail.com
Obrigada!

Bia disse...

Luana,

a primeira aparição do conto Os matadores foi, realmente, em Miss Danúbio, que está fora de catálogo.
No entanto, ele consta da antologia Famílias terrivelmente felizes, publicada pela Cosac & Naify em 2003, e fácil de ser encontrada nas livrarias.
Você também pode procurar os dois livros em sebos ou no Estante Virtual.
Boa sorte e obrigada pela visita!