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domingo, 20 de abril de 2008

Crescer é perigoso

Quando eu era criança, meu pai dizia que “se é um lugar que não existe” (é o título de um livro); meu namorado diz que “na vida, o se não joga”. Apesar de os dois serem as figuras masculinas mais importantes da minha vida, as que mais respeito e admiro, ouso discordar.

Perguntar “e se?” é irresistível. E se eu tivesse cursado Letras em vez de Direito? E se eu não tivesse mudado de carreira? E se eu tivesse ido àquela festa? E se eu tivesse ficado em casa? Imaginarmos uma realidade alternativa à nossa é viciante.

O tema do universo paralelo já foi abordado algumas vezes pelo cinema, como em Homem de Família (The Family Man, 2000), com Nicholas Cage e Téa Leoni, ou Click (2006), com Adam Sandler.

O meu preferido, porém, é De Caso com o Acaso (Sliding Doors, 1998), com Gwyneth Paltrow e John Hannah. No filme, a questão do “e se?” é apresentada de forma charmosa e elegante. Depois de ser mandada embora, Helen pega o metrô para voltar para casa. Na primeira situação, ela consegue entrar no primeiro trem que passa e, ao chegar em casa mais cedo, flagra o namorado com outra. Na segunda situação, ela perde o trem e continua sua vidinha ao lado do namorado cafajeste. Conforme o filme avança, acompanhamos a história das duas Helen e os desdobramentos que advieram do simples fato de ter entrado ou não no metrô.

Claro que, se passarmos o tempo todo avaliando quais são os possíveis desdobramentos de cada um de nossos atos e nossas decisões, é bem provável que enlouqueçamos antes do término da primeira semana. E, pior do que isso, estaríamos sufocando algo que é essencial: nosso instinto.

Falei aqui sobre como é difícil tomar certas decisões, mas acho que racionalizá-las ao extremo não é a solução. É mais fácil, penso eu, encararmos as conseqüências de uma decisão desastrada se ela tiver se baseado em nossa intuição em vez de em qualquer argumento racional. Ora, a racionalidade, por definição, não deveria nunca estar errada, ao passo que à nossa emoção sempre é permitido errar, arrepender-se, descabelar-se, conformar-se, esquecer, perdoar.

Outra palavrinha de definição fácil, mas significado complexo, é escolha. De braços dados com decisão, escolha assombra a mente dos incautos com possibilidade com que, nem sempre, conseguimos lidar.

E aqui chegamos (finalmente) ao gatilho desse post, o filme Um Beijo a Mais (The Last Kiss, 2006), com Zach Braff.

(Explicação rápida: gatilho é uma metáfora para qualquer coisa que dispare um processo ou provoque uma reação específica. Sabe, aquilo que acontece quando você ouve uma música e lembra de alguém ou quando você vê uma tartaruga e pensa em mim :). Será que eu precisava mesmo explicar o que gatilho significa? Talvez não, mas, sei lá, não consigo evitar ser meio professoral. Presunção, eu sei. Então. Ultimamente o gatilho para muitas das minhas reflexões tem sido o cinema. Como vocês podem perceber. Mas, divago. De volta ao texto.)

O longa é uma refilmagem do italiano L’Ultimo Bacio (2001) e manteve o enredo do filme europeu. A abordagem é diferente, lógico, mas também funciona. A história fala de um homem de 29 anos que tem uma crise quando percebe que terá de entrar de vez na vida adulta: sua namorada está grávida. Tem uma resenha minha sobre o filme aqui, se você quiser ler.

Bom, o fato é que Michael, o protagonista, fica apavorado quando percebe que sua vida parece estar inteiramente planejada, sem espaço para surpresas, antes mesmo de ele completar 30 anos. Em suas reflexões, Michael se lembra de que, quando era criança, ele imaginava como seria sua vida aos 30 e o cenário era exatamente o que ele está vivendo. Tudo o que ele imaginava, aconteceu. Ainda assim, ele não se sente seguro o suficiente para se comprometer e tornar-se adulto. Ele se ressente de ter de abandonar um mundo de possibilidades por ter de optar por uma única certeza.

E aí eu pergunto: dá para saber se é uma certeza mesmo? Dá para saber se você fez a escolha certa quando decidiu se casar com aquele namorado que não era bem o que você imaginava, mas que se tornou um bom pai? Dá para saber se você teria sido mais feliz se tivesse feito uma viagem pela Europa antes de entrar na faculdade e ser atropelado pela vida?

Resposta: não dá. O segredo – quer dizer, o meu segredo, o que funciona para mim, já que não sei se a receita desandaria em outra cozinha – é ser fiel a seus princípios e sempre, sempre, ouvir seu coração, não dar ao dinheiro mais importância do que ele merece e agir conforme sua intuição.

Parece trecho de livro de auto-ajuda. Parece filosofia barata. Parece algo que Paulo Coelho falaria. Não importa, tem dado certo há alguns anos e não penso em mudar.

Enquanto a gente pensa nisso, vale a pena ouvir a música-tema de Um Beijo a Mais, "Chocolate", da banda Snow Patrol.





Chocolate
(Snow Patrol)

This could be the very minute
I'm aware I'm alive
All these places feel like home

With a name I'd never chosen
I can make my first steps
As a child of 25

This is the straw, final straw in the
Roof of my mouth as I lie to you
Just because I'm sorry doesn't mean
I didn't enjoy it at the time

You're the only thing that I love
It scares me more every day
On my knees I think clearer

Goodness knows I saw it coming
Or at least I'll claim I did
But in truth I'm lost for words

What have I done it's too late for that
What have I become truth is nothing yet
A simple mistake starts the hardest time
I promise I'll do anything you ask...this time

7 comentários:

Codinome Beija-Flor disse...

Bibi,
No 9º §: "Como você podem perceber", acho que falta um "S".

De fato o "SE" nos faz pensar, tanta coisa poderia ser diferente.
Bjos

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Oi Bia, tudo bem?

Nao achei o seu texto falando sobre a blogagem coletiva. Senao me engano você estaria fazendo parte nao?

Que pena, gostaria de tê-lo lido.

Grande abraco

Bia disse...

Esfinge,
obrigada, já corrigi.
Beijos.

Bia disse...

Georgia,
tive dias super corridos na semana que passou e não consegui pensar em algo que valesse a pena escrever. Foi uma pena mesmo. Eu queria muito ter participado.
De qualquer forma, coloquei uma postagem atrasada com o logo da campanha e estimulando as pessoas a procurarem os blogs participantes.
Obrigada pela visita, e desculpe minha falta.
Beijos.

Anônimo disse...

Amiga,
às vezes me parece que a distância entre a realidade e o "se" chama-se medo; e que se optássemos pelo "se", ele se tornaria realidade e esta, então, o "se".
Nossas escolhas fundadas na razão podem, sim, estar erradas, já que nossa razão é muito pequena, diante do que se chama emoção.
Você me parece bem corajosa. E se...?

Bia disse...

Iphy, querida,

raramente deixo que a razão tolha minha emoção. Procuro, sem hipocrisia ou demagogia, sempre ser fiel ao que se passa em meu coração. Já me machuquei muito por causa disso, mas a dor é maior quando não o ouço.

Beijos!

Anônimo disse...

Bientinha...
Esse seu texto me lembra exatamente o que mais admiro em você: sua fidelidade a si mesma.
Desde o primeiro momento em que soube das suas escolhas percebi esse seu valor tremendo.
espero que nunca me esqueça dessa "dica" clichê. :)

Grande beijooooo