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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Incentivo à leitura

Volta e meia, em conversas e discussões sobre o índice de leitura no Brasil, as pessoas se espantam, se revoltam ou se conformam com o número divulgado em 2001: 1,8 livro per capita por ano.


A preocupação com baixos índices não é privilégio brasileiro. Países como o EUA registraram queda no número de livros lidos por seus alunos universitários, embora esse número ainda seja maior do que o registrado por aqui. Por outro lado, recente pesquisa afirma que 1 a cada 4 adultos americanos não chegou perto de um livro durante um ano todo.

Um sonho que acalento é o de, um dia, montar uma oficina de leitura para adolescentes. Gostaria de mostrar que existem um mundo literário além de Machado de Assis e José de Alencar - lidos por obrigação - e dos livros de Harry Potter - lidos porque é moda.

Enquanto esse dia não chega, vou ficando feliz com notícias que leio por aí e que dão conta de iniciativas bacanas para incentivar a leitura.

Uma delas é uma maratona de leitura, organizada por uma livraria independente situada em Portsmouth, New Hampshire, no nordeste do EUA. O evento foi batizado de "G.E.R.M. Great Expectations Marathon" e vai acontecer a partir das 18h do próximo sábado, dia 23. Durante 24 horas, a livraria estará aberta e disponibilizará seu acervo inteiro para quem quiser lê-lo. Os donos e todo o staff da livraria estarão presentes, dando orientações de leitura e organizando bate-papos com autores. A epopéia contará com comes e bebes para sustentar os leitores. A idéia, segundo li, é proporcionar tempo e um lugar seguro para as pessoas lerem e discutirem literatura. Os participantes são incentivados, também, a fazer donativos para o centro comunitário local.

Outra idéia interessante - que já está em curso, mas sobre a qual só li hoje - é o projeto 200 Books, da americana Amanda Patchin. Ela é dona de uma livraria, que parece ser um local muito simpático, chamada Veritas. O objetivo de Mandi é ler 200 livros este ano e, ao que parece, as coisas estão indo bem. O projeto me lembra o da Julie Powell (sobre o qual falei vagamente aqui), mas com enfoque literário. Adorei.

3 comentários:

Anônimo disse...

Smith, você sabe que seu blog, para mim, é referência, não?
Eu tenho uma outra preocupação, que caminha numa linha paralela à sua: há pessoas que efetivamente lêem; contudo, não assimilam. Às vezes você conversa com a alma, e ela diz: li isto, li aquilo, estou lendo este, &c. Quando a pessoa escreve, entretanto, você nota que não só por razões vernáculas, como ainda por outras, de encadeamento lógico de idéias, de falta de base para a leitura feita, o ensinamento não lhe atingira os meandros do espírito. É como se o leitor houvesse surfado sobre as páginas da obra lida, sem entendimento (ou com percentil baixo de compreensão) e sem capacidade de se aprimorar pela leitura.
Assim, conheço pessoas com róis memoráveis de obras lidas, porém não introjetadas. E olhe que esses livros do dia-a-dia não tratam de reforma moral, não - é só um acréscimo intelectual. Eu acho que quem leia conscientemente bons autores de língua nacional há-de necessariamente perorar suas leituras não só escrevendo, mas ainda "lendo" melhor. E isso não vejo acontecer.
Torço, pois, pela sua iniciativa, porque - vou exemplificar - não é possível entender Joyce (Ulisses, digamos), sem ter lido pelo menos a Odisséia, conhecer bem a Bíblia, ter noções avançadas de Ilíada e dominar ao menos um tanto de aristotélico-tomismo.
Se não for assim, terá sido um engodo a leitura que a pessoa realizou. Aliás, o pior dos engodos: o que ela faz a si mesma.
Não é, pois, na hora da leitura que a gente diz: "pô, essa pessoa lê." Acho que é na hora em que a gente vai ler o que a pessoa escreve.
Talvez a deficiência, no Brasil, seja de estrutura do sistema de ensino. Como pode um aluno entender bem um poeta, se nunca se debruçou sobre o que houve no Trovadorismo; se não sabe o que representou o Renascimento; se não ouviu os ecos do Quinhentismo e não chegou a compreender o advento do Barroco, para então poder inferir o que fizeram os Árcades, Parnasianos, Simbolistas, Modernistas e pós-Modernistas.
Caso contrário, um verso terá sido uma foto que eu apreciei, ou um conjunto de palavras que rimam, pouco importando a diferença de uma redondilha menor para um dodecassílabo - que poderá ou não ser alexandrino -, e o trabalho de Gonçalves Dias, e o de Castro Alves, não terão mais importância que o de algum poetastro, como este que lhe escreve, ou melhor, desabafa.
Lindona, blog bom é assim como o seu: gera dúvidas saudáveis, faz a gente se indignar pela situação do país, obriga-nos a pensar em mudanças de cepa, e nos leva a querer algo mais, que não as meras e insulsas aparências.
Obrigado pela oportunidade!
Simão

Anônimo disse...

Voltei, Smith, voltei. Os exemplos poderiam vir em catadupas, mas vou dar só mais dois: Hans Kelsen. Dia desses conversei com um sujeito que me disse haver entendido a Teoria Pura. Achei ótimo. Surpreendentemente, entretanto, ele não sabia que Kelsen tinha escrito dezenas de livros, e que sua luta mais ferrenha foi travada na órbita política-constitucional, para a instituição de uma mola mestra na então Áustria-Hungria, que acabou por se extinguir com a Primeira Guerra. Imagine a dificuldade de colocar na cabeça do austríaco de então a necessidade de uma constituição. Que dizer de um controle concentrado de constitucionalidade? Assim, "O Estado como Integração", "Teoria Comunista do Direito", "Natureza e Sociedade", "Jurisdição Constitucional", são exemplos de obras de Kelsen de cunho político (pense em lutas, em repressão estatal grave), e que têm pouca repercussão, ao menos no Brasil, mas que representam muito mais dificuldade, no plano de uma sociedade, que a Teoria Pura.
O outro exemplo, bem mais simples, está em Crime e Castigo, de Dostoiévski. Raskólnikov não é o mero assassino de uma velhinha que era agiota. Há toda uma sociedade russa de então, e o exemplo colhido em Napoleão - derramador de sangue por excelência, mas com o escopo de consolidar a civilização burguesa -, que parecia autorizar o Ródia (que se sentia, sim, partícipe de uma casta superior da sociedade) a matar, e que não o faz, ao menos de início, no plano consciente, sentir-se um assassino. Ele matou "um piolho", um "princípio". Depois vem a crise de consciência, o momento epifânico por que passamos a maioria de nós, a dor de haver matado incidentalmente Dna. Lisavieta, a irmã da usurária, etc.
Vou parar por aqui, para não entrar em Kafka, em Dürrenmat, em Rabellais, Voltaire... esquece.
É isso: a falta de espeque para a leitura. A verdadeira leitura, aquela que é ventre, e que dentro de seu líquido amniótico nos gere, digere e gera, é mãe: eu entro nela feto, e dela saio formado; eu entro nela com a Kundalini enroladinha, e saio com a Kundalini "pelo menos" na horizontal. O ideal é que saia com fito de apontar para a vertical.
É preciso ensinar o povo a ler, assim como é preciso ensinar o Simão a falar menos, para levar menos porrada da vida.
Beijos escancarados, omnímodos e exaltados.

Anônimo disse...

Têm razão a autora e o comentador. Meu apoio aos dois.