(A imagem que ilustra este post foi retirada do blog Escritório de criação)
Leio o seguinte trecho de Humano, demasiado humano, do Nietzsche, inserto em O amor: receitas práticas e sábias, coletânea de textos filosóficos sobre o mais buscado dos sentimentos, editada pela Landy:
É possível prometer atos, não sentimentos. A promessa de amar sempre alguém significa portanto: pelo tempo que te amar, eu o testemunharei a ti por atos de amor; se eu deixar de te amar, nem por isso deixarás de ser da minha parte o objeto dos mesmos atos.
Lembrei de um conto de Machado de Assis recém estudado na pós-graduação, intitulado “Noite de almirante”. Conta a história de Deolindo Venta-Grande, marujo que sonha reencontrar Genoveva, com quem namorou durante três meses, pouco antes de sair em viagem. Naquela ocasião, a caboclinha lhe jurara fidelidade e, agora, dez meses depois, Deolindo vai ao seu encontro. Qual não é sua surpresa quando chega à casa de Genoveva e a encontra amasiada com um mascate. Incrédulo, indaga sobre o juramento que ela fizera. A resposta:
- Pois, sim, Deolindo, era verdade. Quando jurei era verdade. Tanto era verdade que eu queria fugir com você para o sertão. Só Deus sabe se era verdade! Mas vieram outras cousas... Veio este moço e eu comecei a gostar dele...
Genoveva é o símbolo da quebra do amor romântico, tão exaltado e descrito inúmeras vezes pelos autores que precederam Machado, por exemplo José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo, como o único tipo de amor possível. O amor que é eterno, que tudo vence e tudo supera. Machado, ao contrário, narra a história de um amor que sucumbiu ao tempo, à ausência, aos atrativos do mascate que arrebatou o coração de Genoveva. O mesmo texto de Nietzsche, citado anteriormente, ratifica o pensamento realista da moça:
Quem promete ao outro amá-lo sempre ou odiá-lo sempre ou de ser-lhe fiel sempre promete algo que não está em seu poder.
E foi isso que aconteceu: Genoveva, “sem saber como, amanhecera gostando dele”, do outro. Em seu juízo, nada fizera de errado. A ler-se o fragmento abaixo, retirado do Tratado da natureza humana, de Hume, conclui-se que ela apenas aceitou seu destino natural:
Por que meios persuadir os homens de que as transgressões do dever conjugal são mais infames do que qualquer outro tipo de injustiça, quando é evidente que elas são mais desculpáveis devido à importância da tentação? E que possibilidade há de suscitar repugnância às proximidades de um prazer pelo qual a natureza nos inspirou um pendor tão forte, e um pendor ao qual é, no final das contas, de todo necessário ceder para a preservação da espécie?
Ceder ao pendor natural, ceder à tentação. Já dizia Oscar Wilde: “I can resist everything except temptation.” Ao que parece, essa é, realmente, a sorte do ser humano.
A mim, parece-me que é Vinícius de Moraes quem dá a última palavra sobre o assunto:
Soneto da fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Quem não seja imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
Da fidelidade
Postado por Bia às 14:36
Tartatags: amor, citações, crônicas, relacionamentos
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5 comentários:
Quanta sabedoria em seu post.
Beijos
Querida,
bom saber que você ainda está aí.
Eu tenho outras idéias sobre o assunto, mas não consigo traduuzi-las. Quem sabe, um dia.
Obrigada pela sua fidelidade.
Um beijo,
Bia
Bibi,
Vim desejar um Feliz Natal, mas com o verdadeiro espírito de natal, sem a imagem do consumo, mas com a mensagem que ele tem, independente de religião.
Beijinho
Cazzu, eu não tinha lido esta postagem. Está fe-no-me-nal.
Prometer fidelidade e pagar com trapaça é comuníssimo, mas você entrou pelo lado artístico e fechou com chave de ouro mesmo.
Simão
Elogios seus, caro Simão, sempre me enchem de felicidade, pois o tenho em altíssima conta.
Beijos!
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