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segunda-feira, 16 de junho de 2008

Literatura na bagagem

No hemisfério norte, onde o clima segue regras quase matemáticas, as pessoas se preparam para a chegada de cada estação do ano com a mesma intensidade como para a visita de um querido membro da família que não vêem há tempos.

Acho que, justamente por não morarem em um país-tropical-abençoado-por-Deus-e-bonito-por-natureza-mas-que-beleza como o Brasil, o verão é a época mais aguardada, quando europeus calçam havaianas de 15 euros, desnudam a brancura láctea nos parques municipais, levando a tiracolo uma sacolinha de livros escolhidos a dedo. Sim, porque o verão pede leituras específicas. Não é qualquer autor que resiste ao calor de 40 graus que cariocamente assola o Mediterrâneo em julho e agosto.

Não consigo falar em leituras de verão em um dia como hoje, em que São Paulo está com 15 graus, mas sensação térmica de 10 graus. É um exercício de imaginação além da minha, não orna. O britânico The Guardian, ao contrário, conseguiu muito mais.

Em artigo publicado no sábado, o jornal pediu a diversos autores que fizessem uma lista de livros para serem lidos durante as férias de verão, de acordo com o lugar para onde pretendem, em teoria, viajar. Entre as sugestões, ler Goethe na Sicília, John Fante em Los Angeles, Saul Bellow em Chicago, Salman Rushdie e Jhumpa Lahiri na Índia, Mehmet Murat Somer na Turquia (interessei-me por este que, ao que parece, escreve histórias policiais em que o detetive é um travesti; insólito, para dizer o mínimo), Murakami e Tanizaki em Tóquio, e muito mais. Mas bacanas mesmo são as sugestões de Colm Tóibín para uma viagem ao Brasil.

Colm Tóibín, autor irlandês de quase 20 livros (alguns publicados no Brasil, como A História da Noite e A Luz do Farol), cita a coletânea de poemas, prosa e cartas de Elizabeth Bishop, registro de quase uma vida toda passada por aqui. A edição mencionada no artigo inclui tradução de poetas brasileiros e três contos de Clarice Lispector, a quem Tóibín chama de “strange Brazilian genius”, recomendando a leitura de A Hora da Estrela.

Tóibin também cita Os Sertões, de Euclides da Cunha, lembrando que o relato sobre Canudos, publicado em 1902, foi a inspiração para Vargas Llosa escrever A Guerra do Fim do Mundo, quase 80 anos depois, em 1981.

O irlandês continua o artigo dizendo que Macunaíma, de Mario de Andrade, mistura o herói cômico ao mitológico e, fazendo coro com Harold Bloom, atesta a genialidade de Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ele encerra a lista com Guimarães Rosa, “ricos, complexos e modernos, como o Brasil”.

A viagem de Colm Tóibín continua pela América do Sul, passando por Argentina, Chile e Colômbia, mas isso não interessa ao nosso orgulho tupiniquim. Bacana mesmo é ver impressos os nomes de alguns dos maiores autores brasileiros em páginas estrangeiras.

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