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terça-feira, 18 de março de 2008

Poe ou Zadig?

Apaixonada por listas que sou, descobri, em uma edição antiga do jornal britânico Daily Telegraph, uma lista intitulada 50 crime writers to read before you die. Elaborada pelo staff literário do jornal, não levou em consideração popularidade entre os leitores ou notoriedade entre os críticos; baseou-se apenas no gosto dos jornalistas.

Eu sei, listas sempre existirão, e essa é só mais uma. Então, por que citá-la? Porque, desta vez, há alguns nomes um pouco diferentes.

Ao lado dos óbvios Agatha Christie, Edgar Allan Poe e Arthur Conan Doyle, estão Charles Dickens e Wilkie Collins. Na obra desses dois autores do século 19, o mistério e o sobrenatural são presenças marcantes. Dickens aparece com Bleak House, de 1852 (publicado no Brasil pela Nova Fronteira em 1986, com o título A casa soturna), e Collins, com The Moonstone, de 1868, inédito no Brasil, até onde sei.

A menção a autores que, tradicionalmente, não estão ligados à literatura policial suscita reflexão acerca do que pode ser considerado pertencente ao gênero. Antes de 1864, ano em que Poe publicou Os assassinatos da Rua Morgue, não havia segmentação da literatura em subgêneros, qualquer um. No entanto, é possível identificar elementos policias – como o desvendar de mistérios e a busca por criminosos – no teatro grego, em passagens da Bíblia, no Zadig de Voltaire. Poderiam, então, esses textos ser enquadrados como literatura policial?

Quando organizou a antologia de contos Crime feito em casa, Flávio Moreira da Costa incluiu textos de Machado de Assis, João do Rio, Dalton Trevisan e Caio Fernando Abreu. Gente que não é considerada “autor policial”, mas que escreveu histórias cuja atmosfera remete aos romances noir ou de enigma. Em entrevista ao site da editora Record, o antologista lembra que “na época de Machado não havia um modelo anglo-saxão de literatura policial”, e ressalta que o clima e a dramaturgia criados por certos autores são antecipatórios da literatura policial que se faz hoje no Brasil.

O modelo mencionado por Costa já não é mais absoluto, nem no Brasil nem no resto do mundo. Há escritores – como os brasileiros Rubem Fonseca e Marçal Aquino e os americanos Dennis Lehane e Michael Connelly, para citar apenas alguns nomes – que falam sobre o crime e a violência com abordagem crua e realista, passando bem longe do estilo consagrado por Agatha Christie e Conan Doyle.

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