A room of our own
Em outubro de 1928, Virginia Woolf foi convidada para dar uma série de palestras em duas faculdades femininas da Cambridge University. O tema era “Women and Fiction”, Mulheres e Ficção. Nessa época, Virginia já havia publicado os romances Mrs. Dalloway (1925) e Orlando (1928). Os livros saíram pela Hogarth Press, editora que ela fundara em parceria com o marido, Leonard Woolf, em 1917. A escritora inglesa era fascinada por Dostoievski. Inspirada nos romances russos, usou tom pesado para, em suas narrativas, fazer reflexões feministas, ora de forma linear – como em Noite e dia (Night and Day, 1919) –, ora bastante introspectivas – como em Mrs. Dalloway, Passeio ao farol (To the Lighthouse, 1927) e As ondas (The Waves, 1931).
O teor das palestras de Cambridge foi revisado, expandido e publicado como livro em 1929, com o nome A Room of One’s Own. Foi publicado no Brasil só em 1985, pela Nova Fronteira, com o título Um teto todo seu (trad. Vera Ribeiro).
Ao receber o convite da universidade, Virginia pensou em falar uma coisa e outra sobre Jane Austen, George Eliot e Elizabeth Gaskell, nomes importantes da ficção feminina inglesa. À medida que ponderava e considerava o assunto, porém, percebeu que, mais importante do que falar sobre as obras de suas antecessoras, era discutir a condição da mulher escritora.
Virginia afirma que toda mulher precisa de dinheiro e um quarto só seu (daí o título do livro), se quiser ter liberdade para criar e escrever. Para comprovar sua tese, Virginia desenvolve seu raciocínio por meio de uma personagem fictícia. No livro, a narradora assume a difícil tarefa de analisar o processo criativo das novelistas do século 19. Como as informações disponíveis são poucas, ela decide reconstruir esse cotidiano por si mesma, chegando até a imaginar uma irmã fictícia para o maior escritor inglês. Judith Shakespeare seria tão imaginativa e competente quanto o irmão, mas, por nunca ter conseguido espaço para expressar sua genialidade, matou-se de desgosto.
A expressão “um quarto só seu” ficou muito conhecida e transformou-se em lugar-comum. Virginia usa o quarto como símbolo de questões mais importantes, como privacidade, tempo livre e independência financeira. O que ela está dizendo é que, enquanto a mulher não tiver um quarto particular, algo de que os homens da época de Woolf desfrutavam, sempre será uma cidadã de segunda classe e sua literatura também será vista como tal.
Virginia também diz que os homens subjugam as mulheres, a fim de preservarem sua superioridade; a escrita deles é, portanto, agressiva em relação às mulheres. Elas, por sua vez, inseguras quanto ao seu status social, usam a literatura para reagir. Dessa forma, Woolf afirma que os dois são prejudicados, uma vez que o objeto da literatura deve ser o mundo, e não o próprio escritor.
A Room of One’s Own é um dos mais importantes trabalhos de crítica literária do ponto de vista feminista; certamente, é o pioneiro. É citado em inúmeros estudos e até dá nome a uma livraria em Wisconsin. A escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941), por sua vez, inspirou a peça de Edward Albee, Quem tem medo de Virginia Woolf? (Who’s Afraid of Virginia Woolf?, 1962), e o romance As horas (The hours, 1998), de Michael Cunningham.
Meu desejo é que não nos esqueçamos das mulheres que abriram o caminho para que nós pudéssemos estar aqui, hoje, escrevendo livremente; que nos lembremos do sacrifício que fizeram e não deixemos nossa criatividade ser tolhida; e que comemoremos o sucesso de todas elas, lendo, relendo e divulgando suas obras.
Para ir além:
Texto integral de A Room of One’s Own (em inglês)
Guia de leitura - Spark Notes
Guia de leitura - Grade Saver
[O texto acima é uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher e faz parte de uma postagem coletiva, organizada pela Lys e pela Meire. Para ler os outros textos, clique aqui.]
6 comentários:
Bibi,
Só lamento que até hoje vemos "os homens subjugam as mulheres, a fim de preservarem sua superioridade".
Bj
Belissimo post ! Nota 10 !
Lindo lindo lindo !
beijos
Lys
Isso mesmo Bia, "um quarto só seu".. ah como eu já quis um dia isso, assim eu conseguiria um espaco pra ficar longe de quem me agredia psicologicamente. Esse espaco havia somente dentro de mim. Mas hoje eu tenho. Hoje eu tenho a minha paz e tranquilidade que sempre esperei. Mas que não esperei parada, simplesmente, a luta se fazia dentro de mim e a revolucao se fez.
Gosto muito de Virginia, de quem ela foi, e do que escrevia. e ela tem razao, no fim, os dois lados saiam prejudicados.
Um grande abraço e Feliz Nosso Dia.
Bom dia, nossa blogosfera é boa devido a fatos assim, todos nós unidos com um só objetivo, proporcionando essa interação entre os blogueiros, e nos dando oportunidade de conhecer “casas” novas como é o seu caso, e por sinal muito acolhedora, e um post magnífico, você está de parabéns. Tudo muito bem elaborado e explicativo. Temos que tentar reverter essa imagem da mulher. Sou contra os tempos do salazarismo em que uma mulher para viajar para o estrangeiro tinha de ter uma autorização escrita do marido. Sou contra os comentários machistas que se ouvem quando uma mulher comete um erro a conduzir, do gênero vê-se logo que é mulher. Sou contra o fato de muitos empregadores discriminarem as mulheres na altura da contratação só porque podem engravidar, ou contratá-las com a cláusula de não poderem engravidar. Se eu continuar daria para fazer um livro com minhas contrariedades. Muito obrigado por abraçar causa tão nobre e que tanto nos comove. Tenha um excelente fim de semana com muita paz, saúde e luz. Abraços fraternos.
O que me entristece mesmo, Smith, � pensar que ainda hoje h� pessoas que acham que o esp�rito, a alma, a ess�ncia de um ser-humano possa engaiolar-se neste rotulozinho med�ocre, estreito, claustrof�bico, do sexo. As Academias de Si�o, de Machado de Assis, para quem tenha o pensamento t�o pequeno. Seu corpo � masculino? � feminino? N�o sei. Sua alma, sua ess�ncia, a "natura naturans", o "noumenon", a centelha divina, o ser-pensante... isso tem sexo? Sexo, sec�o, divis�o, apartheid, bem-mal, manique�smo estulto e mal-disfar�ado. Ser� que n�o dava pra Pandora fechar a caixa?
Homem, mulher... eu sou ser pensante. Se algu�m � mais homem que esp�rito, ou mais mulher que esp�rito, � mais macho ou � mais f�mea, est� mais pr�ximo da biosfera que da logosfera teilhardiana. H�las!
No fundo, no fundo, os homens (digo, os machos) sempre se mantiveram pela for�a f�sica, pela chantagem, pelo poderio econ�mico ou o que o valesse; e quando mulheres tomavam o poder pela for�a, para mim n�o eram mais mulheres, mas f�meas e, como tais, animais.
Eu me recuso a ser um feixe de m�sculos e de nervos. Eu me recuso a ser um animal que entra no cio. Eu n�o sou apenas um �vulo fecundado por um espermatoz�ide, ou s� argila. Sou sopro, e quero gritar isso a longos e profundos haustos.
Vivam essas mulheres que vieram para dizer que, estejamos envergando o 'taxido' feminino ou o masculino, somos sopro divino. Breathtaking � a alma, de que se pode dizer "cogito ergo sum", e n�o a vestimenta dessa alma. Inv�lucros, r�tulos, nomes... salvem-nos disso, pelo amor de Deus, os antrop�logos, pois parece que os te�logos...
Simão
Este livro é tudo de bom, me marcou um monte (foi indicado por uma super amiga minha). Mais do que só o aspecto material - importante sim, que me perdoem os puristas - vale ressaltar aquele espaço intimo e privado, interior, ojnde se pode resvalar para um mundo só seu. Ha que haver um tempo par ao ocio criativo, não? Mas como achar este tempo, afogadas que estamos sob tantas demandas (é o que discuto la no meu post)? Virginia Woolf tem toda razão liberdade criadora é uma expressão unica, pois a criação anda atrelada com todas as formas de liberdade. Bzus. Boa semana.
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